Ministra diz que meta de redução de gases será por setor

Kellen Severo Kellen Severo
@kellen.severo
09:00 Jornal da Manhã 14 de outubro de 2024

A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, afirmou que o compromisso do Brasil para reduzir as emissões de gases do efeito estufa será ambicioso. Segundo ela, todos os setores da economia terão metas de redução de gases, inclusive a agricultura. A criação dessas metas setoriais vai abrir caminho para eventuais punições e taxações? Confira a entrevista com o professor da Fundação Getúlio Vargas, Daniel Vargas.

A meta de redução de CO2 para agricultura, como defendeu a ministra, significa o que na prática?

Significa conjunto de coisas, Kelle. A primeira delas é a seguinte: uma NDC, que é esse compromisso que o país estabelece, pode ter formas diferentes. A absoluta maioria dos países do mundo, desde o acordo de Paris em 2015, adotou NDCs condicionadas predominantemente. Em outras palavras, ‘nós vamos cumprir um conjunto de objetivos ambientais desde que o mundo nos ajude a financiar, transfira tecnologia ou que o nosso país se desenvolva’. O Brasil optou por um caminho diverso. Nós vamos cumprir com um conjunto de objetivos climáticos aconteça o que acontecer. Agora, com esse debate sobre detalhar a nossa a nossa NDC, especificar por setores as responsabilidades, o que nós estamos fazendo é reconhecendo uma espécie de “dívida climática setorial”. Uma NDC é um compromisso obrigatório que o país assume perante o mundo e portanto uma espécie de ‘dívida externa’. Ao atribuí-la, por exemplo, ao agro ou setor industrial ou o setor de transportes, nós estamos dando número a uma dívida e quase que convidando o setor social, o setor judicial a executarem essa dívida estabelecida por setor.

O agro então passará a pagar por essa ‘dívida climática’ que você bem nomeou anteriormente?

Sinceramente, eu espero que não. E aqui eu acho que para entender qual é a opção que o Brasil pode e deve fazer, é importante olhar pro mundo e ver como os demais países estão se posicionando. Então, 78% dos países do mundo condicionaram seus objetivos climáticos a compromissos internacionais ou expectativas de desenvolvimento. Dos 20% que sobraram, digamos assim, estes na maioria são países ricos, desenvolvidos. As exceções são Índia, China e Brasil. Índia e China disseram ‘eu vou cumprir os meus objetivos climáticos desde que o meu PIB cresça. E vou medir a minha meta em relação à intensidade do crescimento da minha economia’. O Brasil seguiu o perfil europeu, vamos fazer o objetivo climático a qualquer custo.

Agora, porque que eu acho que também é importante olhar para esse cenário do mundo. Porque quando nós observamos aqui nos nossos vizinhos na África, na Ásia, a maior parte dos países quando estabelece compromissos setoriais estabelece compromissos de adaptação ou de desenvolvimento. E é muito interessante ver como isso é feito. Então se eu observar, por exemplo, o que é feito na Bolívia, a Bolívia diz ‘eu vou reduzir o meu desmatamento em 80% até 2030. E para isso, 40% do meu compromisso é por esforço próprio, 60% desde que o mundo me ajude.

Portanto, o que nós precisamos entender é de que forma nosso compromisso climático será visto como parte de um compromisso de desenvolvimento sustentável. A opção que a Europa fez foi uma opção particular, que aliás como você mencionou, nem eles estão cumprindo. Não parece que é sábio, inteligente para nós um país com todos os ativos verdes que temos seguirmos esse roteiro.

A nossa audiência deve estar perguntando: o que toda essa discussão quando essa conta pode chegar para mim. Ou seja, quando a ministra do meio ambiente diz que os setores devem pagar pelas emissões, ela não usou esse termo sou eu que estou usando isso, é algo de curto prazo que tipo de ações você vê aí no dar ainda para 24/25?

O que a ministra tem sugerido é que ela vai aumentar a ambição da meta brasileira. Então um país que já possui uma das mais ambiciosas metas do planeta, senão a mais ambiciosa de todo o planeta, irá aumentar ainda mais esse compromisso e agora estabelecer como ele se divide para setores. Qual a tendência? A tendência é que a medida em que o prazo dessa dívida chegue próximo do vencimento, e ele é 2030, as ações de cobrança no judiciário podem chegar. Aliás, apenas no ano passado, 230 ações climáticas registradas foram protocoladas no mundo. O Brasil já é um dos centros da litigância ambiental, é mais um uma semente, um fertilizante para isso. Além do que, o que tem acontecido é que o setor financeiro começa a incorporar essas dívidas no seu cálculo do dinheiro. Quem deve mais, pega dinheiro mais caro. Se o Brasil é um país que estabelece uma meta mais elevada, também significa que nós podemos ser punidos na hora de captar o dinheiro para financiar nossa produção.

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